Sem "ques"



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Eu estava à espera do comboio, dou por mim constantemente à espera de alguma coisa e ali estava, com uns minutos para matar. Era diferente hoje, por questões de logística estava numa estação diferente. O chão estava húmido, parecia estar sujo de lama. Não passava da humidade reflectindo a luz amarela dos postes. Dava àquilo um ambiente solitário, mas também seguro. Numa estação á noite olhamos para a esquerda e está escuro, olhamos para a direita e escuro está. Ali sentimo-nos estranhamente seguros. É o melhor de uma má situação. Ficamos em frente a uma casa velha, tinta a cair, janelas partidas e remendadas com pedaços de madeira, graffitis feios e de várias cores fingem enfeitar uma parede velha, deixando para trás o branco novo já esquecido.
Eu estava à espera do comboio, meti o carupuço numa tentativa de me camuflar naquele ambiente.
Queria parecer pertencer ali.
De longe vi uma figura aproximar-se, também estava de carapuço, cabelos sujos, sacos de plástico numa mão, uma garrafa de cerveja na outra, um sapato rasgado, um sobretudo velho, ruço, cheirei-o antes de ele me falar:
“Mano, tens um cigarro?” - Maldita a hora em que eu acendi um cigarro, não lhe podia dizer não.
“Ya, mas são de enrolar.” - O tabaco de enrolar além de ser mais barato, é um obstáculo a muitas pessoas. Não sabem enrolar, não estão para aprender e é muito mais fácil cravar a outro. Mas há sempre alguém sem medo de insistir no assunto.
“Podes enrolar-me um?”
“Que remédio não é...?” - rimo-nos os dois, muito a medo, eu não o conheço, ele não me conhece. Podiamos ser os dois uns malucos da cabeça, ter um ataque e dar cabo do outro.
Naturalmente não tinhamos nenhum assunto a tratar, eu e ele. Eu vou enrolando o cigarro muito a custo, com as mãos a tremer ligeiramente de medo do público.
Lá lhe dei o cigarro, ele agradeceu e perguntou se eu não me lembrava dele. Eu olhei-o, tentei lembrar-me, já o tinha visto pela rua a pedir cigarros, dinheiro ou bebida.
Pedi desculpa por não me lembrar dele, e a vida continuou. Já estava em casa quando me veio á memória uma noite pesada. Uma das minhas noites prometidas ao esquecimento. Já sabia quem ele era, andei com ele uma noite pelas ruas, a pedir cigarros, dinheiro ou bebida. Lembro-me de ter fumado muito, bebido ainda mais e ter gasto dinheiro da carteira dos outros. Não me lembro do porquê de ter decidido esquecer aquela noite.

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