texto infantil com os géneros todos: erótico, viagens, fantástico, policial, humor e experimental



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A Verónica sabia tudo sobre comboios. Sabia exactamente onde começavam as linhas que iam dar a fora daqui e a que horas partiam os comboios para muito longe. Todos os dias enchia e esvaziava a mochila como se criasse a companhia perfeita para partir. Depois olhava-se ao espelho e percebia que a mochila de inter-rail do seu irmão mais velho continuava a ser maior do que ela. E voltava a guardá-la na parte de cima do armário do corredor.
Aos 11 anos e meio, a Verónica sabia muito bem o que queria da vida. Ser turista. E se não podia sair do país nem da cidade era turista em Lisboa. Tirava fotografias junto à torre de belém, passava os sábados no autocarro vermelho que leva e traz turistas, comia croissants na Benard e fingia que bebia cafés na Brasileira.
Num dos seus dias de passeio encontrou um rapaz muito engraçado. Não era bonito nem contava anedotas mas era engraçado porque tinha comido os P e não conseguia fazê-los sair outra vez pela boca: nem com um susto, como a Verónica tentou várias vezes.
- Sabes o que é que eu almocei hoje? Bifes daquele animal cor de rosa que vive no meio da lama!
- Bifes de porco, disse a Verónica.
Ele agradeceu, tentou roubar o P da frase dela mas não conseguiu. Chamava-se Pedro mas como não podia dizer o P que ainda dava voltas na barriga dizia que era o João. A partir desse dia nunca mais se largaram e todos os fins de semana eram um par de turistas na sua própria cidade.
Um dia, quando passeavam perto do rio viram um casal de namorados. Eles estavam tão perto tão perto um do outro como eles nunca tinham visto. Estavam ainda mais juntos do que as pessoas no autocarro logo de manhã. E deviam ouvir mal porque falavam também com as bocas muito perto. Era o que a Verónica achava. Mas o João que era Pedro tinha outra ideia:
- Eles estão a namorar.
- Como é que sabes isso? perguntou a Verónica.
- Vamos segui-los - disse o João que era Pedro sem conseguir. - Se ele lhe der a mão, oferecer flores, usar o braço à volta daquilo que está em baixo do queixo e segura a cabeça e tiver os olhos a brilhar temos todas as coisas que os detectives têm quando querem ter a certeza de uma coisa.
- As pistas e as provas, disse a Verónica.
- Isso, disse o João que não sabia ser Pedro.
E começaram a segui-los. Pelo caminho viram pegadas gigantes nas paredes dos prédios mas isso não tinha interesse nenhum comparado com duas pessoas que se colavam e descolavam quando lhes apetecia. Quando o casal chegou à estação de comboios foi cada um para seu lado. Mas antes ela disse:
- Prometes pensar sempre em mim Paulo?
E ele respondeu:
- Prometo Palmira. Pedes o que não precisas de pedir, pequenina.
E o João que era Pedro corava. Achava que nunca ia conseguir fazer uma declaração de amor à Verónica porque isso parecia usar muitos Ps. Até que encontrou a frase certa:
- Queres namorar comigo?
A Verónica deu-lhe a mão e respondeu:
- Claro que sim.
Enquanto os dias passavam sonhavam com todos os lugares que iam visitar quando crescessem. Mas o João que era Pedro nunca se atreveu a dizer que queria muito ir à Polónia, ao Peru, à Polinésia ou à Patagónia. Mas não era preciso porque a Verónica sabia que sonhavam os dois com as mesmas coisas. Nos anos dele deu-lhe uma caixa cheia de Ps de papel e prometeu que quando fizessem a viagem era ela que ia à bilheteira e pedia o passe.

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