De Bissau a Bafatá, demorámos dois dias em caminhos feitos
pela força do que sobre eles passou. À esquerda, verde. À direita, verde. Nunca
choveu e, no entanto, o meu humor era de mau tempo. A roupa colava-se-me ao
corpo. Sentia-me suada e suja. Uma vez, passei por cinco mulheres a transportar
água. Não me apeteceu parar para tirar fotografias. Só queria chegar para poder
voltar. Na manhã do terceiro dia, de partida para Gabu, os pneus do jipe foram
furados. Era uma emboscada.
Durante
vários minutos, estive com a cara espalmada contra a janela do jipe. Reparei no
embaciamento que cada expiração criava. O bandido puxou-me a cabeça para trás
pela nuca.
– Olha estes
cabelos tão bonitinhos.
Senti o frio
de uma lâmina encostada ao pescoço. Vi o reluzir do metal. Na boca, o mesmo
sabor a sangue de há 7 anos, no rio
Mara, Quénia, onde quase morri afogada. Trinco a língua quando fico nervosa.
– Sabe...
Articulava
cada som até à sua exaustão, como se eu fosse a sua professora de Português e
ele me quisesse impressionar.
– A minha
vontade hoje era foder uma branquinha como você.
E diminuiu a
distância entre mim e a lâmina, esfregando o sexo erecto na minha perna. Eu
observava o vermelho da terra e perguntava-me se era do meu sangue. Comparava o
verde aberto da vegetação e o verde seco das calças do homem, não percebendo
como um podia camuflar alguém no outro. As nuvens escuras, que minutos antes pairavam
no horizonte, pareciam querer cair inteiras sobre mim. Só pensava na parangona:
«Violada à chuva e encontrada morta na lama».
Maldisse o
minuto em que aceitei a reportagem no interior da Guiné-Bissau.
– Não te
preocupes com nada – reconfortou-me o meu chefe. – Vais com a equipa, todos
homens, gajos experientes. O jipe é do melhor, branquinho, todo luzente ainda,
super confortável.
– Mas,
João...
– Além
disso, é só uma reportagem sobre aldeias perdidas, tipo National Geographic, ‘tás
a ver? Ninguém se vai meter convosco, no way.
Filho da
puta.
Filhos da
puta.
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