texto infantil // ponto de partida: a Emilia muda de escola, não gosta e depois descobre que afinal a mudança foi boa.



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A escola da Emilia tem um grande pátio com um campo que às vezes é de futebol, às vezes de basket e às vezes é só um sítio para conversar a apanhar sol. A escola da Emilia tem um grande muro onde todos os miúdos se sentam em cima e ficam a abanar os pés para verem as cores das meias uns dos outros ( e também quem pisou pastilha elástica). A escola da Emilia tem os seus melhores amigos: a Rosa que tem tranças ruivas e fala muito depressa, o Zé que tem aparelho nos dentes e tropeça nas palavras e a Maria que parece não ter nada de especial mas que vive na porta ao lado da Emília e acabam por andar sempre juntas porque a proximidade é vizinha da amizade. A escola da Emilia tem tudo o que ela imaginou numa escola. Ou melhor, tinha tudo porque já não é a escola da Emilia.
O pai da Emilia é engenheiro. Constrói pontes que atravessam os rios. Como naquela cidade o rio era curto e estreito e já era atravessado por 3 pontes - uma construída pelo bisavô da Emília, outra pelo avô e outra pelo pai - não havia mais espaço para mais pontes e o pai da Emília decidiu que deviam mudar de morada.
- Para onde? perguntou ela.
- Para uma cidade que tenha mais rios e que por isso precise de mais pontes - respondeu o pai.
A Emilia pensou, pensou e quando achou que tinha pensado tudo pensou ainda mais um bocado. E perguntou outra vez:
- Para onde?
- Tinha pensado numa ilha para fazer muitas pontes que a ligassem a outras ilhas e talvez a um continente. Mas depois tive uma ideia melhor e já sei para onde vamos.
- Para onde? voltou a perguntar a Emilia já a franzir a testa que estava quase sempre tapada pela sua franja com caracóis castanhos escuros.
- Vamos para Veneza - disse o pai enquanto se levantava do sofá.- Vamos para Veneza agora mesmo!
O pai agarrou numa mala e depois noutra e noutra e pôs tudo lá dentro. As malas da Emília continuavam vazias para quem quisesse ver. Só estavam cheias de dúvidas que não se viam mas que ela gritava para o quarto do pai:
- Sabes que eu não falo italiano?
- A Maria e a porta ao lado também vão para Veneza?
- E o Zé e a Rosa?
- Achas que lá também há sol no campo que às vezes é de futebol, às vezes de basket e às vezes é só um sítio para conversar?
- Se a mãe fosse viva também íamos viver para lá?
O pai apareceu no quarto da Emilia. Ela estava sentada no chão a olhar para as malas vazias, quase tão vazias quanto ela. O pai sentou-se no chão e disse:
- Vou responder a cada uma das tuas perguntas: Sei que não falas italiano e eu também não mas aprendemos num instante - sabemos dizer pizza e isso já é meio caminho andado para sermos felizes!
A Emilia piscou o olho a responder ao piscar de olho do pai, como fazia sempre, apesar de ainda não estar nada convencida. O pai continuou:
- A Maria e a sua porta ficam cá. Em Veneza encontrarás outras Marias e outras portas ao lado sem nunca te esqueceres desta. Mandas cartas, telefonas e ela até nos pode ir lá visitar! O mesmo acontece com o Zé e a Rosa.
A Emília estava muda de olhos muito abertos à espera que o pai continuasse. E o pai continuou:
- Tenho a certeza que vais ter dias de sol no campo de desporto da escola e dias de chuva também mas o mais importante é que vais ter amigos novos e é sempre bom ter mais e mais amigos, não é?
Agora a Emília teve de concordar. Imaginou que ia ver meias de cores nunca antes vistas penduradas nas pernas que abanavam num muro da escola. Faltava a resposta mais difícil à pergunta mais difícil.
- Se a tua mãe ainda fosse viva íamos os 3 porque as pontes mais importantes que eu posso construir são entre nós, para estarmos sempre juntos. Não posso fazer uma ponte até ao céu mas sei que a tua mãe lá de cima vem connosco até Veneza ou até bem mais longe.
A Emilia levantou-se, abraçou o pai e pôs toda a sua roupa e livros na mala. Hoje em dia fala tão bem italiano como português, tem vários amigos italianos e um namorado também, a Rosa, o Zé e a Maria estão lá a fazer Erasmus e o pai da Emília é responsável pela modernização das pontes da cidade.
Pelas pontes do pai, a Emília percebeu a importância de ligar lugares e pessoas, o aqui e o ali, o tu e o eu, e decidiu ser escritora. Era esta a sua maneira de ligar a realidade e o sonho, as palavras e os desenhos, as ideias e as pessoas. Porque cada um de nós constrói pontes à sua maneira, as pontes da Emilia são feitas de letras como estas.

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