Era de manhã, estava uma manhã clara
escondida atrás de um nevoeiro espesso. Estava atrasado, mas fui eu
que assim o quis, a culpa era minha. A morte de um artista que se
recusou a sê-lo, e deu um tiro na cabeça enquanto me culpava a mim.
Não fui á missa, não me sinto bem
ali dentro. Pedem ao padre pelo arrependimento do filho, e o padre
pede mais dinheiro. Lembra-se que o evento mais próximo cristão
está a chegar e há postais que se podem comprar à porta. Que
peguem eles no seu ouro, nos seus livros, na sua arte e a usem para o
que dizem apregoar.
Fui ter ao cemitério, fui sozinho.
Estacionei longe, queria andar a pé, preparar-me antes de entrar
pelos portões velhos, com tons de musgo, húmidos e pesados. O
nevoeiro cerrava-me a vista, só via uns metros à frente. Não
admira que um rei se tivesse perdido ali.
O muro era grande, não dava para olhar
lá para dentro, mas se o fizéssemos dávamos de caras com um futuro
certo.
Lembrei-me de quando nos conhecemos,
tinhamos dez anos, a turma era nova e ele sentou-se atrás de mim.
Brincadeiras de escola, trabalhos em grupo, intervalos... Uma amizade
com treze anos. Que saudades desses tempos tão inocentes, saudades
das palavras do Pessoa.
“Pensava que não vinhas...” -
perguntou-me ela, interrompendo-me o pensamento.
“Não queria vir...”
“Ainda bem que vieste.”
Sorrimos um sorriso demasiado triste
para ser verdadeiro, fomos calados em direção aos portões.
Acompanhámos os muros brancos, gastos e sujos. Pisámos o chão
húmido, seco e cinzento. Passámos por pessoas que se desviávam por
nós, sabendo no intímo que era em direção a um último adeus que
caminhávamos.
Em frente aos portões estava um banco
de rua, em tudo igual aos portões, menos na forma.
Afastei-me dela para me perder no
nevoeiro e estar sozinho antes de entrar. Sentei-me. Pus as mãos na
cara, comecei a chorar. Quanto tempo vai isto durar?
Do nevoeiro uma sombra pequena desceu
rapidamente e aterrou, fez uns moviementos bruscos que tinham o chão
como alvo. E subiu tão depressa como desceu. Eu sorri, a vida
continuava aos meus olhos. Nem tudo estava perdido.
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