Na madrugada do
dia 5 de Outubro de 1910, enquanto o Almirante Cândido dos Reis se suicidava ou
se deixava matar em Arroios, nascia o meu avô noutro bairro de Lisboa, na Rua
Pedro Dias. Na véspera, a sua mãe observava, da janela verde de guilhotina do
quarto, um pardal a debicar um caroço de maçã caído na rua.
– Para a ralé,
estas coisas dão sempre para o torto – protestou José, o seu marido.
– Deus cuidará.
Voltou para a
janela e, contemplando o rio Tejo, apercebeu-se da mudança do tempo, das nuvens
que, primeiro tímidas, se aproximavam, criando vultos fantásticos de
dragões-sereia e cavalos-estrela. Depois, mais carrancudas e cinzentas, foram
deixando cair umas gotas, aqui e ali, como que querendo limpar o sangue da
cidade, mas sem coragem.
Então, Fátima sentiu o sangue que lhe escorria pela perna esquerda, como que a lambendo, e viu também o sangue das gerações que se seguiriam: o sangue do meu pai na Guiné e o meu sangue, hoje, aqui.
Então, Fátima sentiu o sangue que lhe escorria pela perna esquerda, como que a lambendo, e viu também o sangue das gerações que se seguiriam: o sangue do meu pai na Guiné e o meu sangue, hoje, aqui.
– Deus nunca
cuida – respondeu.
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