1 nascimento, 1 morte, 1 pássaro, referência de meteorologia, descrição de paisagem, diálogo e acontecimento histórico



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Uma estranha frente fria de verão empurrava o corpo de dentro para fora. As pernas afastadas, poisadas no ar, construíam um caminho de espaço que depressa se revelou apertado para a cabeça daquele que um dia seria nunca menos do que cinco. Fernando passou e todos o agarraram, abraçaram e confirmaram desejar por não saberem que nunca iam compreendê-lo. Depois nasceram Álvaro, Alberto, Ricardo e Bernardo mas ninguém deu por nada nem deu nada por eles. Pelo menos naquele dia, naquele quarto com a janela aberta para um largo no chiado onde as cinco árvores nunca teriam folhas suficientes para tudo o que ele(s) ia(m) escrever. E os pássaros, que parecem perceber mais da natureza humana do que as pessoas, gritavam de ramo em ramo
- O primeiro livro é para os pardais.
Anos mais tarde o poeta enganava-se a si próprio para não dar nada às aves que o viram nascer e respondia-lhes:
- Sei de sobra que nunca terei uma obra.
Uma estranha frente quente de inverno empurrou o corpo de fora para dentro. A terra estava húmida da chuva, da rega e das lágrimas de quem fez o caminho antes. Os poucos amigos disseram adeus a um e as árvores do cemitério despediram-se de cinco. Desde então deixaram de ter razões para dar folhas e o inverno ficou ali, a adormecer para sempre um sonho:
- Enquanto dura esta hora, este luar, estes ramos, esta paz em que estamos, deixem-me crer o que nunca poderei ser.

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