Naquela manhã de terça-feira, não
havia motivo para suspeitar que alguém iria morrer. Com a família reunida à
volta da mesa rectangular, Arminda, de pé e um pouco inclinada para a frente,
mais parecia um maestro, exigindo a cada músico que tocasse a sua partitura sem fífias. Mas também tinha um coração nobre, que se contorcia quando um filho
caía, esfolando um joelho, ou havia uma arrelia. À cabeceira oposta, José, o
marido, à sua direita, Ana e Maria, à sua esquerda, João e Manuel.
A
casa era simples, mas suficiente, pensava. Três quartos para seis pessoas: ela
e o José num, as raparigas no outro, os rapazes no último. De resto, pouco
tempo passavam em casa. Andavam de bicicleta, trabalhavam no campo, apanhavam amoras
e figos no verão, marmelos e castanhas no Outono. A chuva escasseava.
Naquele
dia, Arminda levantou-se cedo, antes de todos, o sol ainda no horizonte. Haveria
de ser um dia quente, já se sentia. Preparou o café com leite, habitual início
de manhã. Mas se lhe tivessem dito que este seria um dia igual aos outros, não
teria acreditado. Talvez um pressentimento, talvez uma picada no coração, quase
imperceptível. Com a colher de pau, acabou o bolo de canela e nozes com a receita
transmitida de geração em geração às mulheres da sua família.
Agora, conduzindo cada
elemento da sua orquestra, não compreendia a origem da dor que lhe queimava o
peito. Estonteada, agarrou-se a ele, como se esse gesto a pudesse salvar e,
nada sentindo, percebeu que era o fim.
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