O relógio bateu as horas



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O relógio bateu as horas à hora marcada.
Quinze graus de espaço e uma hora de tempo entre a que passou e a hora de agora.

Estou atrasada.
Queria ter saído antecipada para garantir que chegaria a tempo. Tinha pensado aparecer antes da hora e esperar; ter-me-ia dado tempo para pensar. Agora terei de dizer de improviso e sei que as palavras se vão atrapalhar antes de saírem da boca. Não tens ideia das vezes em que ensaiei, acrescentei e modifiquei o discurso em frente do espelho.
Queria que me visses como aquilo que sempre gostaria de ter sido – articulada, ponderada e firme. Mas vou chegar tarde. Com o atraso vou chegar à pressa e a primeira coisa que direi será uma desculpa. Não era isso que queria dizer em primeiro lugar até porque não há nenhum pedido de desculpa no meu discurso e isso vai misturar-me os pensamentos e as palavras à beira da boca. Queria chegar de cabeça levantada, firme, articulada e ponderada.
Combinei o lugar em que nos encontraríamos e a marquei a hora sem pensar no relógio. Este relógio – uma caixa alta de madeira recortada que serve de moldura e de corpo a entranhas feitas de parafusos e rodas dentadas. E um movimento pendular infalível, imparável, dirigido por Coriolis e guiado pelo centro da Terra.

Vou chegar atrasada.
Agora terei de sair a correr. Vou aparecer com o cabelo desalinhado, a agarrar o casaco e a mala, numa marcha desengonçada até ao ponto de encontro.
Treinei as palavras para que compreendas tudo o que tenho e preciso de te dizer. Tenho até uma urgência em que saibas o que quero falar-te porque é importante. Porque só depois de dito a ti terá forma e será real porque seremos dois a saber. Não posso fingir que quando tenho o coração todo misturado, de tantos sentires diferentes, as palavras me saiam direitas e por ordem. Agora terei de, também eu, aceitar que o que direi será confuso até para mim e que me farás, naturalmente, perguntas se quiseres compreender.

Olho novamente o espelho. Vesti este vestido que nunca viste, calcei os sapatos de salto inusitados em mim, penteei o cabelo num nó atrás da cabeça e maquilhei-me. Sou por fora composta, firme, articulada e ponderada. Devia estar preocupada com o tempo que passa mas olho-me outra vez, confirmando-me.

O relógio bate a meia hora e saio.

13-12-2011


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