Tudo
começou num bolso. Não era grande nem pequeno, as calças não eram de fazenda
grossa nem de seda fina e nem sequer estava descosido. O bolso desta história
não tinha história nenhuma até aos meus pais lá cairem. Foi então que passou a
ser digno de nota.
Primeiro
foi o meu pai. Uma nota de 50 escudos cheia de si e sem vincos que ocupava o
bolso com a impunidade de quem pode comprar o mundo. Segundo ele, fora guardado
de forma provisória, antes de fazer parte de um grande investimento.
A
minha mãe chegou logo depois. Caiu no bolso à saída da mercearia. Ela era o
troco, estava riscada e nitidamente tinha outros valores: era uma moeda de 50
centavos.
Ele
sempre se tinha achado melhor do que todos, ela sempre se tinha sentido a sobra
de ninguém. Talvez pela falta de espaço e de companhia, ou simplesmente pelo
balanço das passadas, acabaram por se apaixonar. Para ela, ele era um
investimento com futuro; para ele, ela era tudo o que sempre tinha ouvido dizer
do amor – um investimento a fundo perdido. E eu fui, para eles e para o mundo,
um triste acaso da numismática.
Quando
nasci o meu pai amassou-se e gritou à minha mãe:
-
Não vale nada, tal como tu!
A
minha mãe, que era de ferro, nem se dobrou com o insulto. Limitou-se a dizer:
-
É mais parecido contigo do que comigo.
E
gritavam sem olhar para mim. Meia nota de 20 escudos acabada de nascer num
bolso igual a tantos outros. Redonda e quase sem cantos como a minha mãe, de
papel como o meu pai. Sem o valor de um nem a resistência do outro. Imprestável
para os dois.
Durante
anos andei de bolso em bolso e de mão em mão à espera que me dessem valor. Pelo
menos 10 escudos a minha matemática aplicada ao orgulho exigia. Mas isso nunca
aconteceu. Até na missa, o sacristão com o cesto do ofertório para a mão que
tentou largar-me a Deus:
-
Também pedes meio milagre?
1 colheradas:
'meio milagre' - Gosto! :)
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