exercício de viagens



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Se for no meus anos, em fevereiro, sei que vai estar frio. Provavelmente chuva e com alguma sorte a neve vai cair pelo caminho, enchendo um e outro carril que talvez me façam deslizar com mais cuidado durante mais de 4 horas de viagem, de Praga a Berlim. 
O comboio estará cheio de jovens que viajam de mochila às costas com o tempo que só têm aqueles que ainda não decidiram passar a vida a perdê-lo sempre no mesmo sítio, sentados atrás de um computador. Eles viajam, vão de um lugar para o outro e não olham para trás. Acumulam amigos, conhecidos, fotografias e as veias dos braços tapados com camisolas e casacos fazem os caminhos de ferro da Europa em tons de azul. Isto só acontece a quem pode estar sempre em circulação, sem ter de parar a vida para ter a vida que os outros esperam que se tenha. 
São loiros, ruivos ou morenos. Mas são todos europeus a viajarem dentro de si, talvez só um bocadinho fora de si porque alargam as fronteiras do seu país.
- Há quanto tempo viajas? - pergunto eu a um rapaz de 19 anos que escreve e desenha num caderno de capa preta que parece um canudo, provavelmente por andar sempre enrolado no bolso do casaco estilo militar.
- Comecei em Viena, sou de lá. 
- E vais até onde?
- Não tenho caminho marcado. Vou andando. Por exemplo, agora vou para Berlim porque conheci uns alemães em Praga e combinámos encontrar-nos lá.
- Quanto tempo tens de férias?
- 1 ano. Decidi parar de estudar para viajar antes de ir para a faculdade. Vou fazendo uns trabalhos aqui e ali quando o dinheiro ameaça acabar. Normalmente trabalho em restaurantes, sirvo às mesas, mas também já trabalhei como ajudante de barbeiro. Porque é que viajas sem nada?
- Fiquei sem mochila na estação de Praga, deixei-a num banco enquanto fui à casa de banho e quando voltei alguém já a tinha encontrado e gostado dela. Só com os bilhetes, o porta moedas e amáquina de fotografias que estavam no bolso do casaco. E estou a achar melhor assim.
Nos comboios da Índia é difícil conversar com que vai ao nosso lado. São quase todos indianos e viajam totalmente dentro de si, cada um com o seu dialecto, por um país interminável tal como a capacidade de cada carruagem. Foi em abril deste ano. Depois da espera numa estação onde não havia bancos e onde havia crianças que me queriam engraxar as havaianas entrei na minha carruagem. E tentei sair imediatamente. Mas a mochila impediu-me de dar a volta para trás no corredor estreito demais. Parei. Dos dois lados da carruagem havia camas de 3 andares. Eles estavam sentados e o branco dos olhos balançava ao ritmo dos pés pendurados. A fila amontoava-se atrás de mim. Avancei. Sobre a minha cama havia mais duas, logo ao lado mais 3 e assim vezes centenas de camas pelo comboio. Saí de lá com uma noção diferente de espaço, uma noção diferente de invasão. E enquanto a ventoinha rodava no tecto, sobre todas as camas, vi que, apesar do calor e da multidão, o ar encontrava sempre espaço para circular. Foi então que decidi não parar e talvez seja uma multidão de indianos que me empurra para um comboio em direcção a Berlim.

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