Land of Contrasts
Volumoso e desgraçado lugar comum em relatos/literatura de viagem... (ir ao link de cima)
SALOON from Tom Pietrasik on Vimeo.
Sabes, Lisboa é daqueles que aqui nasceram e que aqui abriram (espreguiçaram?) pela primeira vez os braços (as ruas?) ao sol. Daqueles que aprenderam o que era um cubo na calçada, mesmo antes dos cubos com que as crianças de outras cidades jogam desde cedo; daqueles que descobriram que a electricidade é amarela e leva gente dentro, por caminhos estreitos e certos mas quase nunca a direito; daqueles que nunca se deixaram enganar pelo azul dos lápis de cor porque sempre souberam que ele não é azul de verdade mas sim uma imitação do céu que mais ao fundo, depois da janela, corre no rio que cai no mar. E daqueles que escolheram os rebocadores como o seu barco preferido, ignorando todos os navios, e deram nomes aos navegadores que ainda hoje só não se desequilibram e caem ao Tejo por um triz feito de pedra.
Sabes, Lisboa é daqueles que um dia vão ensinar que tudo isto é assim porque sempre foi, com a razão de uma ciência exacta, com a certeza de quem aprendeu a fazer contas no quadriculado dos azulejos que cobre os prédios e assim poupou muitas folhas de muitos cadernos para fazer aviões, que quase voaram sobre os pombos, e barcos, que quase atravessaram em segurança lagos pequenos de jardins médios com árvores grandes.
As asas dos aviões pareciam-lhe grandes e pesadas; as dos morcegos do carnaval sabia que não funcionavam, já tinha experimentado várias vezes mas o chão tinha ganho sempre e as asas das chávenas pareciam frágeis para aguentarem com todo o seu peso, mais agressivo do que o chá a ferver. Era difícil para ele viver com a frustração que só têm aqueles que sabem que nunca vão tirar os pés do chão. Era difícil também (mas muito menos) olhar um pássaro de frente para que ele percebesse o seu desgosto e o ensinasse a ganhar asas. Franzia os olhos e depois baixava enquanto os pássaros tremiam nervosamente a cabeça e, como se nada funcionasse, ainda depois resolveu que se ele não podia andar no ar eles não podiam voar no chão. E pregou-os ao céu. Eles continuaram a bater as asas sem sair do lugar e foi assim que começou o vento em Budapeste, ou noutro sítio qualquer
Se for no meus anos, em fevereiro, sei que vai estar frio. Provavelmente chuva e com alguma sorte a neve vai cair pelo caminho, enchendo um e outro carril que talvez me façam deslizar com mais cuidado durante mais de 4 horas de viagem, de Praga a Berlim.
O comboio estará cheio de jovens que viajam de mochila às costas com o tempo que só têm aqueles que ainda não decidiram passar a vida a perdê-lo sempre no mesmo sítio, sentados atrás de um computador. Eles viajam, vão de um lugar para o outro e não olham para trás. Acumulam amigos, conhecidos, fotografias e as veias dos braços tapados com camisolas e casacos fazem os caminhos de ferro da Europa em tons de azul. Isto só acontece a quem pode estar sempre em circulação, sem ter de parar a vida para ter a vida que os outros esperam que se tenha.
São loiros, ruivos ou morenos. Mas são todos europeus a viajarem dentro de si, talvez só um bocadinho fora de si porque alargam as fronteiras do seu país.
- Há quanto tempo viajas? - pergunto eu a um rapaz de 19 anos que escreve e desenha num caderno de capa preta que parece um canudo, provavelmente por andar sempre enrolado no bolso do casaco estilo militar.
- Comecei em Viena, sou de lá.
- E vais até onde?
- Não tenho caminho marcado. Vou andando. Por exemplo, agora vou para Berlim porque conheci uns alemães em Praga e combinámos encontrar-nos lá.
- Quanto tempo tens de férias?
- 1 ano. Decidi parar de estudar para viajar antes de ir para a faculdade. Vou fazendo uns trabalhos aqui e ali quando o dinheiro ameaça acabar. Normalmente trabalho em restaurantes, sirvo às mesas, mas também já trabalhei como ajudante de barbeiro. Porque é que viajas sem nada?
- Fiquei sem mochila na estação de Praga, deixei-a num banco enquanto fui à casa de banho e quando voltei alguém já a tinha encontrado e gostado dela. Só com os bilhetes, o porta moedas e amáquina de fotografias que estavam no bolso do casaco. E estou a achar melhor assim.
Nos comboios da Índia é difícil conversar com que vai ao nosso lado. São quase todos indianos e viajam totalmente dentro de si, cada um com o seu dialecto, por um país interminável tal como a capacidade de cada carruagem. Foi em abril deste ano. Depois da espera numa estação onde não havia bancos e onde havia crianças que me queriam engraxar as havaianas entrei na minha carruagem. E tentei sair imediatamente. Mas a mochila impediu-me de dar a volta para trás no corredor estreito demais. Parei. Dos dois lados da carruagem havia camas de 3 andares. Eles estavam sentados e o branco dos olhos balançava ao ritmo dos pés pendurados. A fila amontoava-se atrás de mim. Avancei. Sobre a minha cama havia mais duas, logo ao lado mais 3 e assim vezes centenas de camas pelo comboio. Saí de lá com uma noção diferente de espaço, uma noção diferente de invasão. E enquanto a ventoinha rodava no tecto, sobre todas as camas, vi que, apesar do calor e da multidão, o ar encontrava sempre espaço para circular. Foi então que decidi não parar e talvez seja uma multidão de indianos que me empurra para um comboio em direcção a Berlim.
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